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Trump descontente com a Federalist Society, grupo conservador que remodelou o Judiciário americano

09/06/2025 11h40

Durante seu primeiro mandato, o presidente americano Donald Trump nomeou diversos juízes federais e três magistrados para a Suprema Corte, oferecendo aos conservadores uma vitória significativa. Essas escolhas foram feitas sob a orientação de um homem influente, Leonard Leo, e de uma poderosa organização, a Federalist Society. Mas agora o presidente americano volta-se contra ambos, denunciando suas ações. Por trás, a falta de apoio ao tarifaço de Trump.

Baptiste Condominas, RFI

Em uma mensagem incendiária publicada em 30 de maio em sua rede Truth Social, o presidente americano atacou duramente Leonard Leo. Desconhecido do grande público, o jurista americano é, no entanto, um dos aliados mais influentes de Donald Trump e uma figura central do movimento conservador. O ataque do tempestuoso bilionário surpreendeu muitos, já que Leo é considerado o principal arquiteto de uma das maiores vitórias do republicano: a transformação do sistema judiciário federal dos EUA.

Isso, no entanto, não foi suficiente para protegê-lo da ira do ocupante da Casa Branca. Trump acusa o ex-conselheiro de tê-lo encorajado a nomear juízes que hoje atrapalham seu programa. O ataque ocorre após a decisão de três juízes do Tribunal de Comércio Internacional dos EUA de invalidar suas tarifas alfandegárias. Os magistrados consideraram que ele excedeu sua autoridade ao invocar a lei de 1977 sobre os "poderes econômicos em caso de emergência internacional", a International Emergency Economic Powers Act, para impor tais tarifas.

Um desses juízes, Timothy Reif, foi nomeado por Trump durante o primeiro mandato, com base nas recomendações da Federalist Society. Na mensagem de maio, o presidente declarou estar "profundamente decepcionado" com a Federalist Society devido aos "maus conselhos" dados nas nomeações judiciais.

Eminência parda

"Como eu era novo em Washington, sugeriram que eu consultasse a Federalist Society para recomendações de juízes", explicou ele ao relembrar seu primeiro mandato. "Fiz isso aberta e livremente, mas depois percebi que eles estavam sob o controle de um patife chamado Leonard Leo, um indivíduo desonesto que, à sua maneira, provavelmente odeia os Estados Unidos e busca satisfazer suas próprias ambições." E acrescentou: "Não devemos deixar que canalhas nas sombras destruam nossa nação!"

Com sua habitual virulência, o presidente traça um retrato pouco lisonjeiro de seu antigo aliado. Mas acerta em um ponto: Leonard Leo é de fato um conselheiro das sombras. O militante da direita radical foi o responsável por elaborar a lista de possíveis candidatos à Suprema Corte com a qual o magnata republicano fez campanha em 2016. A maioria dos eleitores do "Grand Old Party", como é também conhecido o Partido Republicano, considerava essas nomeações como um tema "muito importante". Os 11 nomes, marcados por posições antiaborto e conservadoras, ajudaram a reforçar a credibilidade do empresário junto à base republicana e convencer os mais céticos.

Uma vez no poder, a colaboração entre os dois homens continuou da mesma forma. Leo aconselhou o presidente na nomeação de diversos juízes para tribunais federais, como na escolha de Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett para a Suprema Corte, proporcionando aos conservadores uma maioria estratégica no topo do Judiciário. Essas três nomeações tiveram papel crucial na anulação do caso Roe v. Wade sobre o direito ao aborto em 2022 ? e na concessão a Trump de imunidade substancial contra processos penais em 2024.

Segundo o ex-conselheiro jurídico da Casa Branca Don McGahn, a seleção dos 234 juízes nomeados durante o primeiro mandato do bilionário foi confiada à Federalist Society. "Graças à atuação de Leo, 90% dos juízes nomeados por Donald Trump são membros da Federalist Society, incluindo 86% dos juízes de apelação e os três membros da Suprema Corte", resume a jurista Anne Deysine, em seu artigo "O sequestro da Suprema Corte dos Estados Unidos pela direita radical", publicado em 2023 na revista acadêmica Droit & Société [Direito e Sociedade].

A influência dessa figura discreta foi, portanto, decisiva na reestruturação do Judiciário federal sob Trump.

De associação estudantil a rede de influência

Se seu nome era pouco conhecido fora dos círculos iniciados antes de 2016, as manobras de Leonard Leo para avançar a agenda conservadora nas instituições jurídicas americanas vêm de longa data. Inspirada pelas ideias de Ronald Reagan sobre limitação do governo e desregulamentação dos mercados, a Federalist Society foi fundada no início dos anos 1980 por estudantes de Direito de Yale e Chicago. O objetivo era combater o que seus membros consideravam à época como a dominação do pensamento liberal e das ideias progressistas nas universidades.

A organização se define como "um grupo de conservadores e libertários interessados no estado atual da ordem jurídica" e defende uma leitura originalista da Constituição dos EUA ? ou seja, uma interpretação fiel ao significado do texto na época de sua promulgação. Após uma conferência sobre federalismo em 1982, a Federalist Society atraiu estudantes com ideias semelhantes, assim como acadêmicos, políticos e doadores que decidiram investir no movimento, segundo Amanda Hollis-Brusky, cientista política do Pomona College, ao site Vox.

De uma simples iniciativa para introduzir ideias conservadoras e libertárias nas faculdades de Direito, o grupo rapidamente se expandiu pelo país durante as décadas de 1990 e 2000, tornando-se muito mais do que uma associação estudantil. "Durante vinte anos, a Federalist Society criou seções em faculdades de Direito e ocupou ministérios e agências istrativas com juristas 'formados em casa'", explica Anne Deysine, professora emérita da Universidade Paris-Nanterre ? em grande parte graças a porta-vozes influentes como Leonard Leo.

O engenheiro de uma máquina bem lubrificada

Jurista originário de Long Island, Leo começou a trabalhar para a organização em 1991, dois anos após fundar uma seção na Cornell Law School, onde estudava. Vice-presidente por muitos anos, ele se tornou um dos principais arquitetos do que o site investigativo ProPublica considera hoje "uma máquina que remodelou o sistema judiciário americano". Atualmente, a Federalist Society conta com mais de 90 mil advogados, estudantes de Direito, acadêmicos e juristas por todo os Estados Unidos.

Sob sua liderança, a organização construiu ao longo das décadas uma vasta rede, identificando, apoiando e promovendo carreiras de jovens talentos conservadores para que ocuem cargos nos tribunais e nas instituições do país. A Federalist Society desenvolveu uma estratégia eficaz de expansão. "Além da participação ativa na seleção de futuros juízes e campanhas públicas a favor ou contra candidatos, ela cria litígios apropriados e age sobre os juízes e a opinião pública com uma avalanche de petições amicus curiae, coordenadas e financiadas pelo universo de Leo", analisa Anne Deysine.

No Direito, um amicus curiae (amigo da corte) é uma pessoa ou grupo não diretamente envolvido no litígio, que fornece informações e argumentos ao tribunal. Essas intervenções ? por meio de petições ? tornaram-se comuns nos EUA, mas sua origem, rigor e imparcialidade frequentemente geram debate. Trata-se de um meio poderoso para influenciar decisões judiciais ? amplamente utilizado pela direita radical por meio de organizações como a Federalist Society.

Maioria na Suprema Corte

Sem contar que "a máquina de Leo também financia, ainda que indiretamente, campanhas eleitorais do líder republicano no Senado, Mitch McConnell, e de vários senadores republicanos", aponta ainda Anne Deysine. Esses esforços permitiram à organização expandir sua influência em diversas esferas e fazer avançar ideias conservadoras no Judiciário, a ponto de se tornar "a associação jurídica mais poderosa do país", segundo especialistas. Seu objetivo final: dominar a Suprema Corte ? da qual "seis dos nove juízes atuais têm ligação com a Federalist Society, sobretudo por meio de Leo", recorda a revista Time.

Esse é, sem dúvida, seu legado mais marcante: a composição da Suprema Corte. Antes mesmo de integrar oficialmente a Federalist Society, o jovem assistente de um juiz da Corte de Apelação de Washington tornou-se amigo de Clarence Thomas, a quem apoiou até sua nomeação à Suprema Corte em 1991. "Sob a presidência de G. W. Bush, Leonard Leo e a Federalist Society gastaram dezenas de milhões de dólares para promover as candidaturas de quem se tornaria, um, presidente da Corte - John Roberts - e o outro, autor da guinada na jurisprudência sobre o aborto - Samuel Alito", destaca Anne Deysine.

Sua vitória mais significativa continua sendo a nomeação de Gorsuch, Kavanaugh e Coney Barrett ? todos da lista que teria sido "pessoalmente elaborada" por Leo para Trump. Mas são esses mesmos juízes que estariam na origem do desgaste entre os dois homens, segundo Politico. O site relata que as relações azedaram quando os três magistrados se recusaram a intervir para manter Trump no poder após sua derrota nas eleições de 2020.

Ambivalência

Contudo, o verdadeiro ponto de ruptura parece ser a política alfandegária do magnata. Muitos conservadores ? inclusive juristas e constitucionalistas ? se opõem à guerra comercial do presidente. Eles consideram que a Constituição atribui claramente ao Congresso, e não ao presidente, o controle sobre o comércio. Esse é o argumento de uma petição amicus curiae assinada por um grupo bipartidário de notáveis do Direito, entre eles conservadores de peso como Steven Calabresi, Michael W. McConnell, Michael Mukasey e Peter Wallison.

Em abril, a New Civil Liberties Alliance ? grupo ligado a Leonard Leo ? entrou com uma nova ação judicial contra as tarifas sobre importações da China. A organização também acusa Trump de ter violado a International Emergency Economic Powers Act, abusando de sua autoridade presidencial. Essa interpretação coincide com a decisão do Tribunal de Comércio em maio ? que provocou a fúria do presidente e colocou Leonard Leo e a Federalist Society sob os holofotes.

Sempre cauteloso em criticar Trump, Leonard Leo respondeu educadamente que nem ele nem a Federalist Society participaram das nomeações para o Tribunal de Comércio. Limitou-se a elogiar o presidente: "Sou muito grato ao presidente Trump por ter transformado os tribunais federais, e foi um privilégio participar disso", declarou em nota. "Ainda há trabalho a fazer, sem dúvida, mas o Judiciário federal está melhor do que nunca na história moderna, e esse será o legado mais importante do presidente Trump."

Vários analistas observam que a Federalist Society está hoje bem mais "ambivalente" em relação a um segundo mandato de Trump do que esteve no primeiro. E interpretam a diatribe do ex-presidente como um aviso à organização e seus membros para que retomem a lealdade ? sobretudo num contexto em que sua istração ataca abertamente os tribunais e contesta a autoridade do Judiciário para restringir seus poderes.

Resistência jurídica

Resta saber se a organização irá recuar. Pouco provável, segundo o editorialista David French no New York Times. "A Federalist Society nunca se curvou a Trump. É um grupo descentralizado, e seus membros são teimosamente independentes." Vários juízes e advogados do grupo "se manifestaram contra ele ou resistiram de outras formas", lembra o advogado conservador, apontando que "os exemplos já são quase incontáveis".

Segundo um estudo de um cientista político de Stanford, em maio, juízes de tribunais federais distritais nomeados por republicanos decidiram contra Trump em 72% das vezes. O comentarista David French observa que "quando há conflito entre os princípios jurídicos conservadores e os interesses de Trump, os juízes conservadores quase sempre seguem seus princípios". Essa firmeza, diz ele, vem do compromisso desses magistrados com o Direito, com sua profissão e com o serviço público ? independentemente de ideologias.

Fato é que, segundo o ex-conselheiro dos Clinton, Sidney Blumenthal, "a decisão do Tribunal de Comércio revelou subitamente o quão deterioradas estão as relações entre Donald Trump e o movimento jurídico conservador. A rachadura é mais profunda do que os insultos. A guerra comercial de Trump virou uma guerra civil dentro da direita, com o núcleo do establishment jurídico conservador agora resistindo a ele". E acrescenta que outras figuras influentes desse establishment "tornaram-se conselheiros de algumas das instituições que Trump agora tem em sua mira".

O presidente americano parece ser vítima de uma situação que ele próprio ajudou a criar ? ao nomear juízes que hoje se opõem às suas decisões. Quanto à Federalist Society, "ela se esforça para consolidar seu poder dentro do sistema judiciário que agora domina", para garantir suas vitórias e preparar-se para o pós-Trump, analisa o Vox.

Por sua vez, Leonard Leo, que se afastou da organização, agora trabalha para expandir a influência e a agenda da direita radical "em todos os setores da vida americana" ? inclusive Hollywood e o Vale do Silício ? por meio da Teneo Network, que ele descreve como mais uma iniciativa para "esmagar a dominação liberal".

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