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Falta até água: 9 dúvidas de professores sobre volta da rede pública no RJ

Danilo Verpa/Folhapress
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress
do UOL

Pauline Almeida

Colaboração para o UOL, no Rio

24/08/2020 04h00

O anúncio do retorno das aulas presenciais na rede pública estadual do Rio deixou inseguros e com dúvidas aqueles que estarão na linha de frente para receber os alunos: os professores. O Sepe-RJ (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro) busca na Justiça impedir a volta, pois acredita que a decisão é precipitada e coloca em risco os servidores em meio à falta de estrutura das escolas.

O UOL consultou professores da rede estadual e trouxe deles nove perguntas que foram encaminhadas ao governo de Wilson Witzel (PSC). Na semana ada, o governador publicou decreto que estabelece a data de 5 de outubro para o retorno das aulas presenciais na rede pública estadual e indica 14 de setembro para a volta das escolas privadas.

A Secretaria Estadual de Educação diz que as escolas estarão prontas para o retorno, orientadas por um protocolo de segurança —as 103 recomendações vão do uso obrigatório de máscaras ao fechamento de bibliotecas e exercícios individuais nas aulas de educação física (veja a lista ao final da reportagem).

Com tantas regras, docentes dizem ter dúvidas se as escolas —que antes da pandemia do novo coronavírus já enfrentavam falta de material— conseguirão cumprir o protocolo em uma rede com 750 mil estudantes. Veja a seguir:

1-) As escolas estarão prontas para receber os alunos tem em vista que, antes da pandemia, faltavam itens básicos como água e papel higiênico?

O governo do Rio diz que as escolas contarão com dispensers de álcool em gel e bebedouros sem jatos de água diretamente na boca.

Por sua vez, professores temem não encontrar as adequações prometidas, já que a falta de itens básicos, como sabonete, e problemas em pias são comuns.

As escolas públicas já não tinham condições de higiene. Elas não têm frequentemente, em quantidade necessária, itens de higiene como papel higiênico e água. Álcool em gel é uma coisa completamente fora da nossa realidade

Bruno Coutinho da Hora, professor de 11 escolas na Baixada

2-) As escolas têm equipes de limpeza suficientes para garantir a desinfecção?

A Seduc (Secretaria Estadual de Educação) diz que sim. O protocolo recomenda retirada do lixo e limpeza a cada duas horas em maçanetas, portas de banheiros, espaços de uso comum e a cada turno ou troca de turma.

Um professor que atua na rede estadual há 12 anos tem dúvidas se a sanitização será cumprida nessa periodicidade.

"Você tem nas escolas empresas terceirizadas [de limpeza] e o serviço é precário. Nem é culpa dos trabalhadores, o quantitativo é muito pequeno. Há escolas que têm de um a dois funcionários por turno para limpar tudo", relatou ele, que preferiu não se identificar.

3-) A rede estadual tem salas de aula com até 50 alunos, algumas com ventiladores quebrados. Como garantir uma boa circulação de ar?

Segundo a Seduc, as escolas estão adaptando as salas e refeitórios para garantir o distanciamento mínimo entre 1 m e 1,5 m.

O protocolo estabelece que, em salas sem janelas ou com ar-condicionado, a capacidade seja reduzida para 50%.

Para os professores, é importante que a volta seja escalonada, com controle do fluxo pelo colégio. "Antes da pandemia, a gente já tinha problemas, alunos que saíam da sala de aula sem autorização, que ficam perambulando pelos corredores. Imagina controlá-los com protocolos tão rigorosos", diz o professor Bruno Coutinho da Hora.

4-) O protocolo indica uso obrigatório da máscara, com troca a cada 3 horas. O governo vai fornecê-las?

A Seduc diz que é inviável ofertar máscaras para toda a rede, pois seria necessário 1,5 milhão de equipamentos, desabastecendo o sistema de saúde. Como alternativa, disponibilizou tutoriais de como fazer máscaras caseiras e as direções dos colégios estão entrando em contato com as famílias para orientá-las.

O protocolo do governo prevê entrega de máscaras para alunos sem condições financeiras.

Sobre a troca a cada 3 horas, a secretaria diz que cabe à direção do colégio decidir como controlar. Para o Sepe, sindicato dos professores, negociar com as crianças e adolescentes para o uso correto será um desafio.

5-) O decreto diz que apenas um terço dos estudantes retornará às aulas inicialmente. Se houver demanda superior, como escolher quem frequentará a escola?

Para 5 de outubro, a prioridade é das turmas do 9º ano do ensino fundamental, que vão migrar para o ensino médio, e da 3ª série do ensino médio, que se preparam para o vestibular.

A Seduc informou que a direção de cada colégio está consultando os pais e a comunidade escolar e tem autonomia para decidir o que fazer se houver maior procura que a oferta.

6-) As escolas têm dinheiro para as adequações contra a covid-19?

Sem informar valores, a Seduc afirma que os colégios receberam rees para as compras e adequações necessárias, o que é contestado pelo Sepe.

"O Governo do Estado não apresentou plano orçamentário para esse retorno. Nenhum e de recursos para que as direções criem as condições mínimas", disse Gustavo Ribeiro, coordenador do sindicato dos professores.

7-) Como garantir segurança —distância mínima e higienização— no transporte público até a escola?

Apesar de indicar recomendações para a segurança nas escolas, a Seduc argumenta que não é sua função fiscalizá-las. No caso das vans de transporte escolar, espera-se que a Prefeitura do Rio aja junto às empresas. O cenário se complica contudo com o transporte coletivo, que mantém aglomerações mesmo na pandemia.

O sumiço de linhas e redução da oferta de ônibus pode agravar o problema justamente quando acontecerá um aumento de ageiros com a volta das aulas. Ministério Público e Prefeitura apuram o caso.

8-) Professores que integram grupo de risco para covid-19 voltarão a trabalhar em um primeiro momento?

Professores, funcionários e estudantes que fazem parte de grupo de risco ou com comorbidades continuarão as atividades de forma remota, segundo a Seduc.

9-) Por que retomar o ensino presencial faltando dois meses do fim do ano letivo?

O secretário estadual de Educação, Pedro Fernandes, vinha prometendo que só reabriria as escolas na bandeira verde (baixíssimo risco de contágio), mas adotou a medida na bandeira amarela (baixo risco), o que contraria a recomendação da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. A mudança aconteceu após pressão das escolas privadas, que tentam abrir desde julho.

O coordenador da Infância e Juventude da Defensoria Pública, Rodrigo Azambuja, diz que vai pedir explicações sobre a mudança. Segundo ele, há indícios de subestimação da taxa de ocupação hospitalar, um dos critérios para avaliar o avanço do coronavírus. Se entender que os dados epidemiológicos do Rio não sustentam um retorno seguro, a Defensoria pode entrar na Justiça para impedir as aulas presenciais.

Regras do protocolo de volta às aulas

Veja a seguir principais regras para a retomada autorizada no estado do Rio:

  • uso obrigatório da máscara e troca a cada 3 horas;
  • aquisição de máscaras para alunos sem condições financeiras;
  • aferição de temperatura, sempre que possível, de todas as pessoas que entrarem na escola;
  • orientação para retirada de órios, como brincos, e correta limpeza de óculos;
  • fechamento de bebedouros com jatos direto na boca;
  • disponibilização de pontos com álcool em gel 70%;
  • secagem das mãos apenas com toalhas de papel;
  • entrada e saída de grupos de aluno em horários diferentes para evitar aglomeração;
  • distanciamento mínimo de 1 m a 1,5 m entre alunos nas salas de aula;
  • em salas sem janelas, redução da capacidade para 50%;
  • rotinas de higienização das maçanetas das salas de aula, portas de banheiro, salas de uso comum e das equipes, de preferência a cada 2 horas;
  • organização para que os veículos escolares respeitem distância mínima entre os ageiros e façam limpeza periódica entre uma viagem e outra;
  • priorização de esportes individuais nas aulas de educação física;
  • bibliotecas preferencialmente fechadas

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