Anac volta a liberar voos dos Correios, mas exige mudanças no transporte

Os Correios conseguiram evitar a suspensão de todas as suas operações de transporte aéreo, inicialmente determinada pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) a partir desta quarta-feira (4). Após reunião de urgência realizada ontem, a estatal firmou um acordo para continuar operando, mas terá que cumprir uma série de exigências impostas pela agência reguladora.
O que diz a Anac
Para manter os voos, a estatal terá de implementar mudanças imediatas nos protocolos de segurança e transporte de cargas perigosas. Segundo a Anac, caberá aos Correios e às companhias Sideral Linhas Aéreas e da Total Linhas Aéreas assegurarem que a carga transportada esteja em conformidade com as normas de segurança, incluindo o impedimento de embarque de artigos classificados como perigosos. As regras nacionais e internacionais expedidas por autoridades de aviação civil limitam esse tipo de transporte em razão dos riscos à segurança envolvidos.
Outras medidas. Os Correios também informaram nesta quarta que já estão adotando medidas mitigatórias com vistas à solução das falhas identificadas. Entre outras providências, a mais relevante foi a implementação de inspeção de raio-X nas cargas destinadas ao transporte aéreo. "Somente em 2024, foram firmados 14 contratos para a aquisição de 65 equipamentos de raio-X, no valor total de R$ 12,62 milhões - investimento que se soma aos 151 equipamentos licitados em 2023", afirmou a estatal em comunicado.
As etapas do plano de implementação das exigências serão monitoradas pela Anac. Seu eventual descumprimento poderá levar à interrupção cautelar do transporte aéreo nacional de mala postal.
Anac, em nota à imprensa nesta quarta-feira (4)
O que aconteceu
A suspensão havia sido motivada pelo transporte irregular de produtos perigosos, como baterias de íon de lítio, pelas companhias aéreas contratadas pelos Correios. Todas as operações da empresa são realizadas por duas companhias, a Sideral Linhas Aéreas e da Total Linhas Aéreas. Juntas, elas transportaram, em 2024, 315 toneladas por dia de cargas dos Correios.
Incêndio em avião desencadeou série de problemas. Em novembro, porém, um avião da Total, a serviço da empresa pública, levava baterias de lítio sem aval da Anac. A aeronave teve um incêndio interno e precisou fazer um pouso de emergência no aeroporto de Guarulhos. O Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) não concluiu as diligências, mas indícios apontam que o incêndio aconteceu devido a uma carga altamente inflamável.
Ao determinar a suspensão de voos, a Anac apontou que as regras eram descumpridas desde 2016. Conforme as investigações, a estatal descumpre as normas desde que foram criadas. Como há sigilo sobre o que é enviado pelos Correios, as empresas aéreas não têm autonomia para inspecionar o conteúdo. O piloto pode exigir saber o que há no pacote e vetar o transporte, mas, na prática, isso não acontece.
Os Correios buscavam acordo desde a divulgação da decisão, no dia 31 de maio. A estatal, que vem enfrentando ainda um quadro de crise financeira, afirmava que a suspensão era um problema decorrente de "práticas herdadas de gestões anteriores" e que "representam mais um desafio que a atual istração está enfrentando para garantir a regularização completa do serviço". Hoje, a empresa disse que reforçou seu compromisso com o cumprimento integral da legislação vigente e com a segurança de suas operações junto à Anac.
A reestruturação do processo logístico postal envolve práticas que se arrastam desde 2015. A atual gestão está acelerando as mudanças necessárias, com responsabilidade e transparência, com todos os esforços necessários para cumprir a legislação. As medidas seguem em curso para garantir a plena regularização do serviço, com foco na qualidade do atendimento à população.
Correios, em nota à imprensa nesta quarta-feira (4)
Transporte de lítio em aviões no mundo
O lítio está presente em celulares e cigarros eletrônicos. O material apresenta um risco crescente para os voos, pois pode apresentar mau funcionamento e produzir fumaça, fogo ou calor extremo durante os trajetos.
Baterias de lítio podem superaquecer. Com isso, aumenta o risco de curto-circuito que pode levar a incêndios. O seu mau uso também pode ajudar no desenvolvimento de problemas, liberando uma fumaça tóxica. Contudo, é sempre o calor em excesso - por sua má regulação - que leva a problemas com fogo.
Esse tipo de incêndio não deve ser apagado com água. Em contato com a bateria, a água pode aumentar a propagação com o fogo. O ideal é fazer uso de extintores classe D, projetados para apagar chamas em metais.
Desde março, é proibido guardar itens com bateria de lítio no compartimento de bagagem acima dos assentos na Coreia do Sul. Cada pessoa pode levar, no máximo, cinco baterias de 100 watts-hora, armazenadas em sacos plásticos transparentes, conforme o Ministério dos Transportes.
Nos Estados Unidos, baterias de lítio só podem ser levadas na bagagem de mão. A FAA (istração Federal de Aviação) e a TSA (istração de Segurança de Transportes) criaram a regra sobre o manuseio do material durante os deslocamentos.
Acidentes dobraram nos últimos seis anos. Segundo a Reuters, em 2024 foram registrados três superaquecimentos por semana — globalmente — em aviões, devido às baterias de lítio. Em 2018, esse número era inferior a um.
Correios em crise
Uma eventual suspensão de voos poderia agravar um histórico recente de dificuldades financeiras dos Correios. A estatal registrou prejuízo de R$ 1,72 bilhão no primeiro trimestre deste ano, o que significa mais do que o dobro das perdas apuradas em janeiro a março do ano ado, de R$ 801 milhões. O balanço divulgado nesta segunda-feira (2) revela ainda o pior resultado para um primeiro trimestre desde 2017 na empresa.
Os Correios tiveram prejuízo de R$ 2,6 bilhões em 2024. Além do resultado negativo, a empresa vem desde 2022 fechando as contas no vermelho. No balanço mais recente, de 2024, divulgado no dia 9 de maio no DOU (Diário Oficial da União), o cenário apresentado revelava um desempenho financeiro negativo, com prejuízo de R$ 2,6 bilhões.
Para driblar a crise, a empresa pública lançou uma proposta que prevê redução de jornada, suspensão de férias e fim do trabalho remoto. No dia 12 de maio, a estatal divulgou um plano estratégico de trabalho para contornar o prejuízo e melhorar o fluxo de caixa da empresa. As nove medidas fazem referência principalmente aos trabalhadores da empresa, com incentivo inclusive à redução de jornada de trabalho e, consequentemente, à redução do salário dos trabalhadores; desligamento voluntário e corte de pelo menos 20% no orçamento de funções.
Caso o plano consiga alcançar todos os itens apresentados, os Correios esperam economizar R$ 1,5 bilhão em 2025. A estatal espera contar com o apoio dos funcionários. São cerca de 86 mil profissionais que podem ser afetados pela mudança. A representação dos trabalhadores afirma, porém, que as medidas vão na contramão. A Federação Nacional dos Trabalhadores de Empresas em Correios e Telégrafos (Fentect), que reúne 30 sindicatos, já obteve liminar judicial contra a suspensão das férias agendadas para este ano.