
Primeiro, eu gostaria de dizer que neste texto não serão discutidos conflitos políticos, nada de Israel e Palestina. Aqui a gente vai falar de religião. De costumes, de tradição e do rompimento disso tudo, ou não.
Neste caso específico, da religião judaica, tema dessa série sa de baixo orçamento lançada este ano, e que não deixa de ser um contraponto para todos os enredos envolvendo questões comportamentais, amorosas, de poder, disputa que inundam os canais de streaming.
Eu me sinto à vontade para discutir esse assunto primeiro, porque sou judia, minha família é de ascendência russa dos dois lados e sempre seguiu a tradição judaica. Pessoalmente, gosto muito de religião: minha ligação maior é com a judaica, que nasceu comigo, mas gosto demais de budismo, tenho simpatia pelos evangélicos, por alguns pensadores do assunto, gosto do sincretismo baiano. Talvez por isso, essa história sobre uma jovem rabina contestadora, que usa aplicativos de namoro, me atraiu.
Mesmo em tempos modernos, ainda é muito rara a presença de rabinas mulheres: isso só acontece em sinagogas reformistas. Rabinos são sempre homens e, por mais modernos que sejam, às vezes, antenados até com o mundo de hoje, são homens.
Apesar de ser uma mulher dos dias de hoje, com atitudes e pensamento feminista, sempre estranhei mulheres fazendo papel de rabinas, isso até ter começado a assistir "A Rabina", disponível na HBO Max. Trata-se de uma abertura necessária e providencial. Afinal, é nada mais natural que um cargo desses, com essa relevância, também possa ser exercido por nós.
No caso de Lea, essa jovem rabina, ela vem uma família onde o pai é psicanalista lacaniano e o irmão, um malandro de carteirinha. É claro que a família não acha a menor graça na profissão que ela escolheu e além de ter de lutar contra isso, ela ainda tem de enfrentar as enormes dificuldades de ser aceita no mundo tradicionalmente masculino.
Seu primeiro caso é encarar um brit milá, um batizado com a circuncisão do bebê, prática tradicional com meninos de famílias judaicas, recém-nascidos. Como convencer um pai não judeu a aceitar que o órgão de seu filho, ainda assustado com o mundo, será 'cortado'? Mesmo que seja só um pedaço de pele, não se trata de uma prática muito compreensível no mundo de hoje, principalmente para quem não é do ramo. E, mesmo pra quem é do ramo, no caso, judeu, o susto é grande.
Senhorita rabina, com sua sensibilidade, e falta de prática em relação aos meandros mais complicados da religião, vai seguindo devagarinho e com um olhar doce e compreensivo, comendo pelas beiradas, convencendo o pai aceitar que o bebê e pela cerimônia.
Outro desafio é convencer um pré-adolescente a participar da cerimônia e consequente festa de seu bar mitzvá, a maioridade religiosa, uma espécie de primeira comunhão dos católicos.
A tarefa não é nada fácil: o menino é filho de uma mãe não-judia, bem ausente, tipo rica e grudada no celular, e um pai bem novo-rico, que quer porque quer, que o menino siga as tradições. A rabina é uma luz e é a ela que o pai se prende. O menino não quer saber de festa, nem daquelas superproduções. Ela entende que o que ele gosta mesmo é de ecologia e de salvar o planeta, e é por aí que segue e tenta também fazer o pai entender que não adianta uma festa de super-heróis para um menino que só está preocupado com a camada de ozônio e o fim do mundo.
A frustração da rabina existe dos dois lados: por não conseguir explicar a um menino porque ele deveria fazer bar mitzvá, e por não conseguir fazer o pai entender que o filho dele não é exatamente como ele gostaria. E é aí que entra o coringa: senhorita rabina, em vez de se sentir impotente, como de fato ela está, ela começa a usar seus sentimentos mais profundos, sua sensibilidade e empatia para alcançar o objetivo: trazer de volta para o rebanho os bezerros que querem se desgarrar.
São apenas oito episódios de aproximadamente 30 minutos cada, nitidamente uma série sem grandes investimentos, mas com muito encanto e afeto. Os dramas são pessoais, mas são os de todo mundo. E a leveza ao tratar de assuntos tão profundos é muito bem-vinda atualmente, onde tudo é tão complicado e as discussões tão acaloradas.
Isso me fez lembrar que na tradição judaica, quando a gente tem algum problema, a gente procura o rabino. E não é à toa não: na maioria das vezes, é ele mesmo que acaba resolvendo. Inclusive atualmente.